Nossos Antepassados


Provavelmente, poucas são as pessoas que atentam para um aspecto essencial da cultura humana: a coexistência de grupos sociais em diferentes estágios evolutivos, no que tange ao conhecimento técnico, científico, filosófico e social. Raramente paramos para meditar sobre as razões que levaram certos grupos a evoluir, enquanto outros preferiram permanecer em estágios mais simples (menos sofisticados) de vida. Infelizmente, e eu já tratei desse assunto antes, o que move o ser humano a desenvolver novas competências, novas habilidades e novas tecnologias, não é sua curiosidade inata, como querem crer alguns pesquisadores, mas a necessidade provocada pelos conflitos, pelas guerras, pelas tragédias naturais e pelas vicissitudes do próprio ambiente natural em que vivem esses povos. Prova disso é que, onde existe abundância de recursos naturais e poucos inimigos ou predadores, essas sociedades permanecem em estágios primitivos de vida, usufruindo da paz, e da segurança existentes.

Nós, brasileiros, não atentamos para um dos mais ricos aspectos de nossa sociedade: existem, entre nós, centenas de etnias, principalmente dos habitantes originários de nossa terra, e que nos acostumamos a unificar sob a denominação de "indígenas", inapropriada para tamanha diversidade étnica e social. Curiosamente, em decorrência  do processo de ocupação dessas terras brasilienses, algumas sociedades nativas foram mais expostas ao contato do que outras, forçando as primeiras a se adaptarem mais intensamente aos invasores e usurpadores de sua nação, com a perda gradual de suas crenças, tradições e costumes para não serem levadas à extinção.

Hoje, o Brasil talvez seja a região mais complexa do mundo em diversidade étnica, mas o que se torna mais intrigante aos olhos do investigador é a coexistência de "tribos" nos mais diferentes estágios evolutivos, simultaneamente. Algumas, ainda nos primórdios da organização social, vivendo da caça, da pesca e da coleta de alimentos, andando nuas, praticando rituais conduzidos por xamãs entorpecidos por alucinógenos, enquanto outras já se integraram de tal forma às sociedades urbanas, ditas "civilizadas", que mal se distinguem na multidão, exceto por alguns traços remanescentes de seus antepassados.

No entanto, e justamente por essa displicente desatenção de nosso povo, a discriminação "racial" nos faz sentir diferentes, desprezando justamente nossa maior riqueza cultural representada por esse processo interétnico que deveria ter criado uma sociedade mais tolerante, mais justa e compreensiva com a diversidade que existe em cada um de nós.

Talvez a arrogância de uma sociedade aristocrática trazida pelos portugueses e incentivada pelas classes dominantes ao longo desses últimos cinco séculos nos tenha feito cegos a essa realidade. Talvez a exploração,  por mais de três séculos, da mão-de-obra escrava, seja de negros africanos, seja de "indígenas" americanos, nos tenha anestesiado de contemplar com orgulho essa fantástica mistura de "raças", que deveria nos tornar diferentes aos olhos do mundo.

Até quando iremos ignorar nossas origens étnicas, massacrando essas sociedades encantadoras, cujos costumes deveriam ser referência para nossa organização social, desprezando o que existe de mais rico em nosso povo, simplesmente porque somos incapazes de conviver com essas diferenças? Enquanto alguns segmentos querem nos impor a noção de que tolerar as diferenças é simplesmente aceitar a ideia de casamentos de homossexuais, pela simples razão de que esse modelo traz vantagens econômicas e leva as pessoas a pensar que somos uma sociedade evoluída, pela comparação a outras nações que não têm o privilégio de contar, entre seus habitantes, mais de um milhão de indígenas, mais de 600 terras indígenas, mais de 300 etnias, mais de 180 línguas distintas! Buscamos lá na Europa uma referência exógena, que nada tem a ver com o desenvolvimento de nosso povo, por simples manipulação intelectual...

Esse mesmo complexo de inferioridade intelectual dos brasileiros nos faz desprezar outra riqueza incomparável em qualquer outra parte do planeta, e que poderia ser nosso passaporte para o futuro, que é a Natureza prodigiosa que temos no Brasil. Quantos países do mundo têm tamanha biodiversidade, tantos biomas diferentes, tamanha extensão de bacias hidrográficas e volume de água doce, e, por simples ignorância ou medo, colocamos tudo a perder para satisfazer os desejos de uma minoria insignificante de milionários que tem o poder de determinar as políticas nacionais?

Precisamos perder a vergonha de sermos diferentes e aprender a contrariar as minorias dominantes de latifundiários, mineradores, banqueiros, para constatar que nossa vocação não precisa ser produzir matérias-primas, grãos e carne para abastecer o mundo e vivermos nós das migalhas da civilização! Precisamos compreender que, um dia, o petróleo se acabará, assim como nossos minérios; mas nesse dia que virá certamente, teremos exaurido nossos ambientes naturais, teremos extinguido nossos recursos hídricos, e não teremos estruturado uma sociedade orgulhosa de seu valor intelectual, capaz de determinar os destinos da humanidade.

Para isso será necessário, primeiro, que entendamos o nosso povo, sem distinção de cor da pele, de raça (ou etnia), de tradições, cultura, saber e crenças espirituais, tratando-nos a todos como um mesmo povo, uma mesma nação, sem preconceitos ou estereótipos! Para que tenhamos um papel preponderante de liderança no cenário mundial será necessário, antes, aprendermos a gostar de nosso povo e de admirar nossas origens, esquecendo os pecados e os crimes cometidos pelos que nos antecederam, pelos genocídios, pelo desrespeito a seres humanos trucidados em nome de um poder insano e desumano.

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