quinta-feira, 3 de outubro de 2013

The Economist: Uma entrevista com Marina Silva

Foto: Leo Cabral










Marina Silva nasceu em uma família de seringueiros no Acre, um estado da região amazônica do Brasil. Ela sobreviveu à fome, doenças graves e trabalho duro na infância, para se tornar uma das fundadoras do movimento de ambientalistas e ativistas pelos direitos dos trabalhadores. Em 1970 e 1980, eles organizaram a oposição aos grandes proprietários de terras que mantinham seringueiros em trabalho escravo e limparam a floresta tropical em grande escalada da pecuária. 

Desde que foi eleita senadora do Acre, em 1994, ela foi lavrada na política brasileira, atuando como Ministra do Meio Ambiente no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil de 2003 a 2010, antes de deixar o cargo em protesto contra a pressão para enfraquecer a legislação ambiental e, em seguida, deixando o Partido dos Trabalhadores (PT) completamente. Como candidata presidencial do Partido Verde em 2010, Srta. Silva recebeu 19,6 milhões de votos, colocando-a em terceiro lugar. Pesquisas de opinião recentes têm encontrado apoio entre 16-22% para ela como candidata nas eleições presidenciais do próximo ano, mesmo que ela esteja sem partido político. Isso a coloca em segundo lugar na corrida atrás da incumbente, Dilma Roussef do PT. 

Desde 2011, Srta. Silva tem trabalhado para criar um novo partido, Rede Sustentabilidade. Leis eleitorais do Brasil exigem que a Rede deva coletar 492.000 assinaturas apoiando a sua formação, e tê-los autenticados pelos cartórios antes que o partido possa ser registrado. A menos que isso seja feito até 05 de outubro, exatamente um ano antes das próximas eleições, o partido não será elegível para candidatos de campo, colocando o futuro político de Marina Silva em dúvida. Embora ela tenha conseguido mais de 900.000 assinaturas, apenas 450 mil haviam sido autenticadas em 27 de setembro, quando o chefe de gabinete do The Economist de São Paulo, conversou com Srta. Silva em seu gabinete, em Brasília, sobre o programa da Rede para o governo, e sua corrida contra o relógio. Segue uma transcrição editada desta conversa.
The Economist: Vamos falar sobre a Rede Sustentabilidade, o novo partido que você está tentando criar. Como você fica com menos de uma semana para terminar o prazo de 5 de outubro e ainda faltando dezenas de milhares de assinaturas de apoio necessários e validados pelos cartórios?
Marina Silva: Foram coletadas 910 mil assinaturas, a fim de chegar as 492 mil exigidas para o partido ser registrado. Infelizmente a maioria dos cartórios perderam o prazo para a validação das assinaturas – onde há um prazo de 15 dias. Metade das assinaturas foram realizadas fora do prazo legal. Mesmo assim, agora temos mais de 450 mil assinaturas certificadas. E mais 95 mil foram invalidadas de forma ilegal, sem qualquer justificativa. O que exatamente aconteceu cabe aos tribunais eleitorais julgar. Teremos 550 mil assinaturas, pelo menos, se eles desfizerem esse erro e aceitarem essas assinaturas. Temos presença em todos os estados e no Distrito Federal, em mais de 3.000 municípios. Temos mais de 12 mil voluntários coletando assinaturas. Enviamos mais de 668 mil assinaturas para os cartórios dentro do prazo legal. Este é um partido que não é apenas um nome que tem apoio. Mas, obviamente, havia algo acontecendo do lado dos cartórios que os tribunais eleitorais terão de julgar. Alguns estados tiveram índices de rejeição discrepantes. A taxa nacional de rejeição de assinaturas, excluindo São Paulo e Brasília, era de 19%, São Paulo e Brasília empurraram para 25%, tendo São Paulo uma taxa de rejeição de 35%, atingindo mais de 50% no ABC Paulista (região industrial em que o PT é muito forte). Talvez os tribunais eleitorais possam descobrir o que aconteceu, porque este comportamento atípico faria o registro do nosso partido inviável.
Qual é o seu plano B?
Não tenho um. Eu só tenho o plano A. Tenho certeza de que os ministros do tribunal eleitoral irão basear suas decisões sobre os fatos, sobre as provas. Eu não tenho nenhuma razão para desconfiar disso. Eu realmente acredito que vamos conseguir registrar o partido: nós temos cumprido todos os requisitos legais. É inegável que temos o apoio da sociedade. Não pode ser que a gente acabe tendo que pagar o preço de alguns cartórios, rejeitando ilegalmente assinaturas.
Os resultados das eleições de 2010 também são uma indicação de apoio social, certo?
Não discordo dos requisitos legais para a fundação de um novo partido. O que não podemos aceitar é uma ação, deliberada ou não, que nos impede de cumpri-las. E é por isso que estão se voltando para o tribunal.
Por que não começar mais cedo?
Começamos no momento certo. Nós começamos como um movimento, que precisava ganhar profundidade e amplitude antes que pudesse formar um partido político. Você não pode simplesmente começar por criar um partido político – partidos políticos começam com a sociedade. Começamos em 2011, e tomou-s a decisão de criar o partido político no dia 16 de fevereiro de 2012; desde então, conseguimos obter mais de 900 mil assinaturas em apoio à criação do partido. É uma postura ética – não criar um partido até você ter o apoio necessário da sociedade.
Hoje, mais uma pesquisa de opinião mostra que o apoio para você como presidente está caindo do ponto mais alto alcançado após os protestos. O que aconteceu?
Eu vou dizer a você o que eu sempre digo sobre pesquisas de opinião: ainda é cedo. Os eleitores ainda estão formando suas opiniões. E eu tenho uma longa história com as pesquisas de opinião. Em 2010, as urnas estavam me dando 9%. Na última semana, 15%. Eu tive 19,6%. Na minha primeira eleição ao Senado, as pesquisas me colocaram em último lugar, e eu vim, pela primeira vez, com 75% dos votos. Assim, as pesquisas, na melhor das hipóteses, refletem um momento e nem sempre conseguem captar as reais intenções dos eleitores.
Um colega meu, um ex-correspondente no Brasil, que a entrevistou em 2010, escreveu que você era uma daqueles raros políticos que parece “muito integra para ser jogada em um duelo eleitoral em uma democracia gigante”. Alguns brasileiros, talvez concordem, porque você tem essa posição de ser uma voz ética na política brasileira e alguns brasileiros, no mínimo, podem pensar que seria melhor ter um líder que sabe tomar parte nesse duelo. Honestamente, você quer ser presidente de um país, ou você quer ser uma voz ética que não tem compromisso?
Vejo a política como serviço. Este serviço pode ser, como presidente, poderia ser como professora, uma senadora, uma ministra de governo, uma cidadã. Quando Lula se tornou presidente e me convidou para ser sua Ministra do Meio Ambiente, muitas pessoas disseram: “Você é um ponto de referência para o ambientalismo, se você entrar no governo, você não terá o apoio que precisa e vai se prejudicar.” Mas eu pensei que, se eu não aproveitasse esta oportunidade de colocar em prática as ideias em que acredito, talvez eu não fosse realmente um ponto de referência, afinal. E logo depois de entrar no Ministério do Meio Ambiente, conseguimos, talvez, uma das medidas ambientais mais importantes tomadas na história do Brasil: Um plano de combate ao desmatamento. Ele trouxe a diminuição do desmatamento em mais de 80% desde então, economizando mais de 4 bilhões de toneladas de CO² emitidas. Nós também conseguimos criar 24 mil hectares de novas áreas de conservação e muitas outras ações estratégicas contra o desmatamento predatório. Houve tentativas de derrubar o plano, mas eles não conseguiram. Infelizmente, o atual governo mudou a lei (o Código Florestal, que regula o uso da terra em todo o Brasil e é mais rigoroso em áreas de floresta) e o desmatamento está crescendo novamente.
Você saiu do governo em um momento de alta tensão entre as suas prioridades ambientais e as maiores correntes desenvolvimentistas dentro do governo.
Minha partida foi um ato político. Ele colocou pressão sobre o governo para não derrubar ou enfraquecer o plano de combate ao desmatamento. Saí em um momento em que havia uma pressão do Ministério da Agricultura, do então governador de Mato Grosso, Blairo Maggi (um grande produtor de soja) para tentar revogar essas medidas.
Mas você não seria capaz de renunciar à presidência em algum momento de alta tensão...
Se eu tivesse ficado, teria vencido. Minha partida foi a mais forte possível crítica do que estava acontecendo, e ela criou pressão da opinião pública, nacional e internacional e deu ao presidente Lula, a força que ele precisava para se opor àqueles que procuravam enfraquecer as leis ambientais. Meu objetivo não era manter o meu trabalho: era para manter o meu plano. Foi uma escolha ética. As decisões políticas sempre têm de ser guiadas por decisões éticas.
Em algum similar momento de pressão na presidência, como você lidaria com isso? Viraria para as ruas?
Não estou ainda na posição de um presidente! Mas se você governar de acordo com um programa e tendo uma agenda estratégica, você não pode ignorar a sociedade na implementação dessa agenda. Você não pode pensar que isso é algo que você pode ‘fazer para’ a sociedade sem ter criado essa agenda em conjunto com a sociedade. O grande problema que estamos enfrentando agora é que há uma completa separação entre uma sociedade que quer um Brasil melhor e, os políticos que imaginam que é sua prerrogativa de fazer as coisas para a sociedade da maneira que quiserem; que podem, por sua posição de representantes, substituir o representado. A democracia representativa não significa excluir as vozes daqueles que estão sendo representados.
A Rede, claramente, tem um forte foco no meio ambiente, mas governar um país requer políticas em muitas outras áreas, por exemplo, a economia.
Nosso princípio básico é o desenvolvimento sustentável. Isso é sobre não apenas o ambiente, mas também tudo a ver com o modelo de desenvolvimento social e econômico. Neste modelo, você está consciente de ter que preservar a base do seu desenvolvimento, que são os recursos naturais. No Brasil, isso significa, necessariamente, grandes investimentos em educação, tecnologia e inovação, de modo que possamos converter nossas vantagens comparativas em vantagens competitivas. O Brasil é o país com mais sol no mundo, e num momento em que estamos à procura de fontes de energia para substituir os combustíveis fosseis, essa é uma grande vantagem comparativa. O problema é que até agora, infelizmente – e esse governo não é diferente – os governos não têm valorizado esta importante fonte de energia. O Brasil tem também invejáveis hidrelétricas como recursos e se os impactos do desenvolvimento social, ambiental e cultural são bem tratados, esse potencial deve ser utilizado também. Há um enorme potencial em energia eólica e biomassa. Temos uma grande quantidade de terra disponível para a agricultura, tecnologia para dobrar nossa produção sem derrubar mais uma árvore e 11% de água doce do mundo. O Brasil no século 21 tem tudo o que precisa, tanto para preservar esses bens e usá-los para dar uma vida digna a todos os seus cidadãos. É essencial, porém, investir em infraestrutura para se tornar mais produtivo. Hoje nós perdemos cerca de 30% da nossa produção agrícola por causa de problemas de logística, incluindo a falta de armazenamento e pobres canais de transporte.
Uma das coisas que torna difícil a construção de infraestrutura no Brasil é o complicado processo de obtenção de licenças ambientais. Como você lida com essa dificuldade?
Eu não concordo que o licenciamento ambiental atrapalhe as coisas. Os processos podem ser mais simples e rápidos, e não é razoável que gastemos bilhões e bilhões em infraestrutura sem investir um único centavo na criação de um sistema de licenciamento correspondente ao tamanho desses investimentos. Mas quem conhece o setor sabe que, com o aumento do número de técnicos e o fortalecimento das direções, é perfeitamente possível acelerar o processo.
Os processos em si não precisam simplificar?
Muitas coisas precisam de ajuste. Mas muitas coisas que as pessoas chamam de burocracia são problemas reais que precisam ser resolvidos. Você não pode dizer que é a burocracia de ter de encontrar uma solução para as populações indígenas locais. Ou para proteger a biodiversidade. Ou garantir que quando você construir um reservatório de uma usina hidrelétrica, você não aumentará a malária, por aumentar a população de mosquitos. O que queremos é um sistema de licenciamento que encapsula os dois aspectos: a necessidade de investimentos estratégicos e de proteção social, ambiental e cultural. Quando estes não são atendidos, provoca-se insegurança jurídica e atraso, porque isso significa que a promotoria pública entrou e afetou o trabalho. Quando eles assumem, as coisas se movem para frente. No plano econômico, o Brasil tem um desafio político grande. Nossa política é muito retrograda e ameaça os avanços econômicos e sociais que conseguimos nos últimos anos. Há uma visão excessivamente patrocinada e focada na visão política, acima de tudo, dentro dos partidos políticos. A forma como os trabalhos do governo e ministérios são repartidos entre os partidos da coalizão governante, a fim de manter o seu apoio, é insustentável. Temos, agora, quase 40 ministros, o que tem agravado os custos do governo. Ele tornou excessivamente intervencionista também, porque para manter seus índices de aprovação, o governo se apresenta como o grande provedor de absolutamente tudo. Isso leva a uma visão equivocada de como o setor público e privado devem interagir. A decisão de leiloar concessões de infraestrutura foi tomada muito tarde e, quando foi tomada, o governo continuou com uma atitude muito controladora, inclusive em relação à taxa de retorno sobre os investimentos privados, o que afastou muitos investidores. Em seguida, ele tentou mudar sua atitude, a fim de assegurar o andamento do programa, mas mesmo assim ainda há um clima de desconfiança.
O que você faria diferente?
O importante é ter regras claras que são as mesmas para todos para criar um ambiente onde todos possam competir em igualdade de condições. Se você estabelecer critérios claros em relação à qualidade e acesso, o setor privado vai encontrar o caminho para fornecer os bens e serviços com o lucro adequado.
Essa é uma visão muito ortodoxa.
Bem, a visão de um Estado que fornece tudo é ortodoxo para um segmento da sociedade brasileira também! Mas a ideia de que você pode ter qualidade, o acesso e a presença do Estado onde o setor privado não é capaz de fornecer, esta não é a ortodoxia clássica. É uma visão do Estado que não é nem o provedor de tudo, nem o estado em que é apenas um regulador, onde o mercado controla tudo. Porque isso não está correto também. A crise nos Estados Unidos e em outros lugares tinha a ver com a crença de que o mercado seria capaz de fazer tudo, e quando não pode, o Estado teve que entrar em cena. Eu acho que essa é outra forma de seguir em frente entre os dois extremos, em que o Estado não é o provedor de tudo, nem um mero cão de guarda, mas uma força mobilizadora integrando o melhor do mercado e da sociedade como um todo, a fim de enfrentar grandes desafios pela frente.
Isso soa muito como a “terceira via”, uma visão de um primeiro-ministro anterior do Reino Unido, Tony Blair.
Eu acho que vai, além disso, em sua ênfase na sustentabilidade como base para tudo. Que traz o pensamento de longo prazo para os horizontes da política de curto prazo.
Você acha que a política brasileira é particularmente de mero curto prazo?
Eu acho que o imediatismo é um problema na política em todo o mundo. Por exemplo, na reunião Rio+20 (A cúpula ambiental global no Rio de Janeiro no ano passado) países decidiram mudar os recursos, longe de resolver a crise ambiental, no sentido de resolver a crise econômica, mesmo que o primeiro seja mais grave. Não é o momento certo para estar pensando apenas nas próximas eleições, e não no Brasil, não na Grã-Bretanha, e não nos Estados Unidos. É o momento de estar fazendo o que é necessário agora, mas também pensar nas gerações vindouras.
A minha impressão é que a política no Brasil é particularmente de mero curto prazo e venal, com o velho e bem conhecido Toma Lá, Dá Cá ("dar e receber", como os brasileiros chamam o processo pelo qual as negociações de cargos executivos e gastos "pork barrel "em troca de apoio legislativo). Como você lidaria com este lado mais tradicional da política brasileira, tentando manter a sua reputação como uma voz ética na política?
Eu acho que seria difícil responder para qualquer um que faz esse tipo de política. Mas quando você pensa em um país com o potencial do Brasil, que desde o início deste século tem conseguido quebrar paradigmas antigos e criar novos, como pode ser possível continuar a fazer esse tipo de política? Então a questão é, como se mover para um novo modelo político? Eu vejo dois caminhos. O primeiro é ter um programa, e não mero pragmatismo, um plano para o país, não apenas para se manter no poder. Uma visão estratégica para os próximos 20, 30, 40 anos, em que seus objetivos tenham sido acordados com a sociedade e está totalmente comprometida com eles. Em seguida, é a sociedade que governa. Isto permite-lhe escapar desta forma predatória de fazer política. Em uma democracia, a alternância de poder é muito saudável, e por isso estamos trabalhando em uma segunda agenda acima dessa, que é um realinhamento político histórico. Nós já recuperamos nossa democracia (o Brasil foi governado por uma ditadura militar entre 1964 e 1985, com a democracia plena só restaurada em 1989). Nós conseguimos consolidá-la, mas infelizmente os governos ainda foram obrigados a governar com os detritos que restaram da "Velha Republica" ( este é o nome geralmente dado ao período de 1889-1930 , mas a Sra. Silva usa -o em um sentido mais amplo para significar um estilo clientelista fora de moda na política) . Tanto o PT (que detém a Presidência desde 2003) como o PSDB ( Partido da Social Democracia Brasileira, o maior partido de oposição do Brasil, que governou 1994-2002) acabaram reféns da República Velha. Mas agora é o momento para um realinhamento histórico, em que a "Nova República " começa a governar o país .
Assim, para além de desenvolver um programa de governo, se a Rede de Sustentabilidade for criada e seu candidato for eleito, ele iria buscar o apoio das melhores partes do PT e do PSDB. Porque eles são a Nova República, e foram chamados pela sociedade, que saíram às ruas para exigir isso deles, pôr fim à lógica da República Velha, que não tem mais o apoio da sociedade.
Mas a República Velha ainda é muito forte.
Sim, mas o povo brasileiro é mais forte. Foi o povo que trouxe o retorno à democracia (em 1985, a ditadura militar se afastou depois de manifestações de rua massivas) . Foram as pessoas que tornaram possível recuperar a estabilidade econômica, em um período muito difícil (Brasil reverteu a hiperinflação em 1993, com o Plano Real). Foi o povo que forçou a política a resgatar 30 milhões de pessoas da pobreza extrema na última década. E foram as pessoas que saíram às ruas em junho, para exigir um novo alinhamento político no Brasil.
Isso para você, em seguida, foi a mensagem das ruas, que é hora de levantar-se para derrubar a República Velha?
A mensagem dos protestos de junho foi de que as pessoas querem um Brasil melhor. Ele não é apenas um fenômeno brasileiro; em todo mundo, as sociedades estão a exigir uma melhor qualidade da representação política, e maior espaço para participar. A internet é uma ferramenta poderosa que nos permite manter contato em tempo real. Se as pessoas pensavam que a internet iria revolucionar negócios, ciência, tecnologia, cultura e espiritualidade, mas a política iria continuar da mesma velha maneira, eu não posso compartilhar essas ideias. A política está mudando e vai mudar mais. As pessoas estão exigindo um mundo melhor, no qual os bens e serviços fornecidos pelo governo ou pela iniciativa privada possam cumprir seus fins sociais e ambientais.
Seria justo dizer que o governo entendeu mal a mensagem das ruas, então? Que, nesse pensamento, o que estava sendo exigido era mais o consumo e os salários mais elevados, ou seja, mais do mesmo?
Acho que houve uma crença muito difundida de que uma vez que os princípios básicos da vida foram fornecidos - por comida e um pouco de educação, que ainda deixou muito a desejar em termos de qualidade - que isso era o suficiente. Mas as novas classes médias estão exigindo mais do que o pão. Eles querem alta qualidade na educação e em outros serviços públicos. As manifestações mostraram que embora tenha havido melhorias no interior da casa, quando as pessoas olham para a escola ou para o transporte, elas não encontram a qualidade que gostariam. Isso é o que estamos ouvindo: a multiplicidade de vozes que exigem qualidade na educação, transporte, saúde e assim por diante.
Algumas pessoas dizem que isto está fora de foco, mas isso não é certo. O que une essas demandas é que todos eles são para um Brasil melhor, um mundo melhor. Cada pessoa, ao expressar isso, inicia-se com a necessidade do que mais se aproxima, com certeza, mas não deve ser entendido como individualista, a procura exclusiva. Alguém que exige um hospital "padrão FIFA" não está exigindo isso só para si, mas para todos. (Protestos de junho coincidiram com a Copa das Confederações, um ensaio para a Copa do Mundo do próximo ano, que o Brasil sediará , e muitos manifestantes carregavam cartazes exigindo serviços públicos e infraestrutura do mesmo alto padrão dos estádios que o Brasil está construindo para satisfazer a FIFA , o órgão mundial de futebol) Quando alguém diz que quer ter capacidade de dar uma volta em sua cidade, eles não estão dizendo isso apenas para si, mas para todos. Exigências de segurança não são para uma pessoa, elas são para todos. A sociedade brasileira está aprendendo muito rapidamente que, em vez de querer viver em uma bolha , as pessoas querem um ecossistema que permita que todos possam florescer.
Quais são os passos concretos que devem ser tomados para melhorar, por exemplo, a educação?
Concordo com a recente decisão do Congresso para se destinar 10% do PIB para a educação. É correto, porque é um enorme desafio para transformar as nossas vantagens comparativas em vantagens competitivas, e sem educação de qualidade, simplesmente não vai ser possível. Também é importante porque o desenvolvimento que temos que começar é através de um planejamento de longo prazo. Os investimentos precisam continuar, temos que acabar com este negócio de o governo mudar e as prioridades mudarem com ele. Na área da saúde, educação, infraestrutura. Essa continuidade é necessária também para a confiança empresarial.
De onde vem esta falta de confiança dos empresários?
Quando toda vez que você está tendo que substituir os ministros por causa da corrupção, quando você tem os bancos públicos decidindo quem tem acesso ao crédito, sem critérios claros decididos no Congresso, mesmo que você esteja falando de dinheiro público, cria-se uma falta de confiança. Quando a inflação ameaça subir acima do alcance do topo da faixa, quando as regras macroeconômicas estão enfraquecidas, cria-se uma falta de confiança.
O Brasil apresenta altos impostos para um país de renda média superior. Você acha que os impostos precisam subir ainda mais para acomodar novas demandas, ou é uma questão de mudança de prioridades dentro do gasto total?
A qualidade da despesa pública precisa ser melhorada e muito. Hoje, os contribuintes sabem que eles estão tendo um fardo pesado, mas quando eles olham para receber os benefícios, a boa infraestrutura, hospitais e escolas não estão lá. Parte do gasto extra na educação virá do pré- sal (vastos campos de petróleo em águas ultraprofundas do Brasil, descobertos em 2007 que ainda não estão em produção). É um desafio difícil: hoje, não podemos fazer nada sem o óleo, que é um combustível fóssil e muito prejudicial, mas é essencial usar essas riquezas para investir em tecnologia que nos permitirá substituir por fontes renováveis. Devemos usar esses recursos tanto para melhorar a educação e para estabelecer uma base sustentável para a geração de energia a longo prazo.
Certamente os recursos do pré-sal não serão suficientes para dobrar os gastos com educação. E não é apenas melhores escolas que os brasileiros querem: eles querem melhores cuidados de saúde e de transporte também. O Brasil ainda não chegou ao ponto de fazer escolhas: ele quer mais de tudo. Isso é compreensível, mas em algum momento, as prioridades de gastos precisam mudar, ele não pode ser apenas mais de tudo.
Bem, uma maior eficiência ajudaria muito e bloqueando o dreno da corrupção pública ajudaria muito também. Neste momento, o Ministério do Trabalho está sendo investigado por desvio de 400 milhões de reais ilegalmente , e isso é uma constante no Brasil: todo o tempo estão substituindo os ministros para essas coisas. Precisamos criar mecanismos que diminuam a corrupção e um melhor controle de gastos públicos. Hoje em dia é perfeitamente possível colocar todos os dados on-line, em tempo real, acesso aberto, pois assim a sociedade pode fiscalizar o que está sendo gasto. Se estamos a gastar uma grande parte do orçamento na criação de mais e mais ministérios, mais e mais empregos públicos para acomodar aliados políticos , é realmente um desperdício. A despesa tem de se tornar mais eficiente, para que possamos gastar em melhores serviços e investimento.
Mas o combate à corrupção vai além do controle e fiscalização: é preciso acabar com a impunidade. Quando aqueles que são considerados como quebradores das regras percebem uma chance muito baixa de serem punidos, aumenta o número de dispostos a correr esse risco. Quando você tem um maior grau de certeza de ser pego e ser punido, você terá uma quebra muito significativa na corrupção . A transparência também inibe a corrupção: quando você sabe que está sendo observado não apenas pelos cães de guarda do governo habituais, como o gabinete do Ministério Público, mas também pela sociedade, isso vai ajudar muito.
Mas a corrupção só vai ser suprimida ao ser abordada, quando deixar de ser vista apenas como responsabilidade do governo e começar a ser vista como responsabilidade da sociedade. Foi somente quando a escravidão foi vista como um problema social e não um problema para o governo, que foi terminada. Foi a mesma coisa com a ditadura no Brasil, e, em seguida, a instabilidade econômica, e depois com a pobreza extrema: estes foram finalmente tratados, uma vez que deixaram de ser vistos como problemas para o governo para resolver e foram adotados pela sociedade. Vai ser a mesma coisa com a corrupção, e ele já começou. Aqueles que pensam que as coisas vão voltar ao normal só estão se enganando. Isso nunca vai ser o mesmo após os protestos.
Essa é uma visão muito otimista.
É uma visão persistente! Ela vem da minha experiência: 25 anos atrás, eu estava com Chico Mendes e os seringueiros em Xapuri, no Acre, lutando por sua sobrevivência e para a sobrevivência da floresta tropical. Éramos um punhado de pesquisadores e um punhado de seringueiros e povos indígenas. Agora, a pesquisa mais recente mostra que 95% dos brasileiros estão dispostos a pagar mais por alimentos que não prejudicam a floresta. Isso não aconteceu por causa de tanto otimismo ou pessimismo, mas por causa da persistência.
O Brasil tem apenas crescido nos últimos anos. O que aconteceu - o governo entendeu errado?
Meu amigo, o economista Eduardo Giannetti, sempre diz que em algum momento os mercados financeiros globais tornaram-se excessivamente otimistas sobre o Brasil e agora eles são excessivamente pessimistas. Há certamente uma abundância de problemas que precisam ser enfrentados honestamente . Mas não depende apenas de ações do governo, estamos em um mundo globalizado. O que acontece na Europa ou nos Estados Unidos tem um impacto aqui.
Mas, por outro lado, eu sou uma crítica de algumas ações do governo. Nós negligenciamos a importância da execução de um grande superávit primário (governos brasileiros anteriores geralmente dirigiram mais de 3% do PIB para as amortizações principais da dívida e dos juros; que desde 2011 caíram) . Temos sido negligentes com a meta de inflação (Banco Central do Brasil deve usar as taxas de juros para manter a inflação perto de 4,5% , dentro de uma faixa de tolerância 2,5-6,5 %, mas desde meados de 2011, as taxas foram reduzidas , mesmo quando a inflação foi esbarrar no limite de 6,5%) . A parte superior da faixa de tolerância, tem vindo a ser tratada como o próprio alvo. Em um momento de grandes oportunidades, não fizemos os investimentos estratégicos necessários em educação, tecnologia e infraestrutura física e agora temos que nadar contra a maré. Quando a crise veio em 2009, foram tomadas as medidas de estímulo correto (o governo injetou crédito barato na economia via bancos públicos e consumo locais apoiadas cortando impostos de vendas). Mas quando a economia começou a se recuperar, deveríamos ter começado a retirar as medidas de estímulo, e isso não foi feito.
É errado pôr a culpa de tudo no governo, quando as condições globais desempenham um papel, mas por outro lado, os governos precisam aprender a mesma lição. Quando as coisas estão indo bem, é tudo por causa de suas políticas, quando as coisas estão indo mal, é tudo a ver com condições externas! Se não pararmos de ser complacentes com os nossos erros, nunca vamos aprender as lições que devem partir deles, ou como evitar repeti-los.

Fonte: THE ECONOMIST

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