sábado, 16 de julho de 2011

AS LEIS DOS HOMENS E AS LEIS DOS ÍNDIOS


Muitos podem estranhar a dicotomia “homens – índios”, mas ela foi proposital, para evidenciar o imenso abismo que separa as civilizações ocidentais pós-colonialismo das populações ameríndias que ainda habitam nosso continente. Talvez também estranhem o advérbio “ainda” nesta declaração, e também ele foi deliberadamente escolhido para expressar minha convicção de que essas populações deverão, inevitavelmente, ser absorvidas por nossa sociedade civilizada, e isto já está acontecendo, porém da pior forma possível, dada a resistência de suas lideranças em compreender as nossas regras.

E aqui começa nossa dissertação.
Se um povo depende de outro para sobreviver, sua identidade cultural está seriamente ameaçada. Se dessa dependência decorre a aplicação de políticas diferenciadas que ignoram a autodeterminação desses povos, percebemos o equívoco histórico que estamos vivendo. Essa política se modificou ao longo dos séculos, mas não perdeu sua principal característica de assistencialismo, de diferenciação étnica e de preconceitos. E isso é fácil de explicar: quando Adolf Hitler estimulou o conceito de povos Arianos para demonstrar a supremacia étnica dos alemães, estava criando um dos piores precedentes de nossa história, o que nos levou a um dos piores conflitos étnicos desde a Idade Média.
Hoje, com os indígenas, estamos fazendo o mesmo ao admitir que eles professem a doutrina da superioridade étnica de seus povos. Existem mais de cem etnias indígenas no Brasil, cada qual em diferentes estágios de “aculturação”. Esta palavra pode também supor um preconceito, fazendo-nos crer que nossa sociedade nacional é superior à dos indígenas. Mas não é suposição, pois em muitos aspectos evoluímos, com muito esforço, muitas guerras, muitas tragédias, criando conhecimentos altamente avançados e que determinam nossa existência neste mundo contemporâneo. Os índios não.
Vamos aos fatos. Se fôssemos sentir remorsos pelas barbáries perpetradas por nossos antepassados ao longo dos últimos mil, cinco mil, dez mil anos, passaríamos nossas vidas tentando compensar povos que foram vítimas das atrocidades humanas. Porém, não fomos nós que matamos Jesus Cristo, não fomos nós que assassinamos milhares de homens e mulheres na Idade Média em nome de um poder sagrado e corrupto, não fomos nós que assassinamos seis milhões de judeus, não fomos nós que fizemos uma “limpeza étnica” na guerra do Paraguai, não fomos nós que escravizamos negros para nos servir na agricultura e nas casas dos senhores feudais e dos barões do café.
Não fomos nós que torturamos estudantes em toda América Latina pela simples razão de que esses jovens queriam uma sociedade justa e igualitária! Não seremos nós que redimiremos a sociedade de seus crimes hediondos! Não há como fazê-lo! Mas vivemos hoje, devastamos as florestas, matamos animais selvagens, provocamos desastres naturais cada vez mais ameaçadores através do aquecimento global, e discriminamos os índios sim, assim como os índios discriminam os “brancos”! Por que isso acontece?
Pela simples razão de que os antropólogos que manejam as políticas públicas indígenas se sentem na obrigação de compensar os crimes do passado com uma tolerância inaceitável e injustificável, capaz de romper o tênue equilíbrio que poderia existir na transição dessas populações, de seu estágio de selvageria para a integração com a sociedade ocidental, caucasiana, branca, capitalista, ambiciosa e devastadora!
Não existe a possibilidade dessas sociedades primitivas conservarem suas tradições. Isso é pura fantasia de uma parcela minoritária de nossa sociedade que, infelizmente, controla as políticas indigenistas desse imenso país. Se hoje existem cerca de 700 mil índios espalhados por todo território nacional (0,35% de nossa população), a maior parte desse povo está integrado à população urbana e rural, sendo discriminado justamente porque ainda preserva traços de seus antepassados, compondo assim o mosaico de minorias negras, indígenas, pardas, que não encontram meios de superar seu desnível social.
Para os índios que ainda vivem de forma primitiva, mesmo falando nossa língua e tendo absorvido boa parte de nossos vícios perversos, como a bebida, as drogas, a prostituição, o consumo de produtos industrializados de baixa qualidade e discutível procedência, para esses povos, ainda existe um preconceito reverso: as Leis dos Brancos não se aplicam aos Índios! Essa inversão de valores produzida por falsos líderes não diz que eles ainda são índios porque algumas dessas “leis brancas” concedem privilégios absurdos às populações indígenas, garantindo-lhes, inclusive, a impunidade de seus atos mais hediondos, como matar recém-nascidos apenas porque são deficientes, ou são mulheres quando se esperava um menino, ou simplesmente porque são nascidas fora do casal.
A “Lei dos Brancos” é generosa: garante verbas federais, estaduais e municipais para que essas populações continuem a fingir que são tradicionais e que preservam sua “cultura milenar”! Ano após ano o Governo investe em projetos destinados a reverter a situação de miséria dessas populações, mesmo sabendo que o modo de vida indígena não pode ser comparado à miséria, mas é devido a seus hábitos alimentares e seu modo de produção.
E continuamos fingindo que tratamos diferenciadamente esses povos e que cuidamos de suas “tradições milenares”, que não passam de parcos conhecimentos de agricultura, noções equivocadas de astronomia e dos ciclos da Natureza, danças e cantos singulares. Matéria para os antropólogos, que se deleitam em conservar esses conhecimentos, muitas vezes à revelia dos próprios índios, ou tentam resgatar um modo de vida que já não existe mais. Nas antigas aldeias, hoje “comunidades”, a cachaça substituiu o caxiri e as ervas alucinógenas dos ritos sagrados; estes, por sua vez, foram substituídos pelas crenças cristiânicas; as danças são realizadas como se fossem um padrão nacional, com sua marcação métrica simples, batendo o pé direito no chão, tocando um acorde primário na flauta PAN trazida dos Andes, usando roupas ocidentais e algumas plumas de extremo mau gosto. Raríssimas são as “tribos” (esse nome foi banido pelos padres) em que ainda existem rituais tradicionais; mesmo esses, no entanto, tendem a se tornar apenas ritos para turistas apreciarem, como acontece hoje com as tribos norte-americanas.
Aqui na bacia do Rio Negro, os únicos indígenas que ainda preservam suas tradições são os Yanomami e, mesmo estes, somente nas comunidades mais isoladas, de difícil acesso, onde os hábitos nômades e a nudez explícita nos remetem aos antigos paradigmas dos índios que ilustram as pinturas da época do Descobrimento. Nesses pequenos grupos de indivíduos, vivendo em comunidades (“Xaponos”), a desnutrição é a marca registrada e o preconceito não é dos brancos, mas das outras etnias, que os consideram primitivos!
Já a “Lei dos Índios” é oportunista e manipulada apenas pelos falsos líderes que usufruem do poder delegado pelos brancos, que querem ver neles os profetas que salvarão seus povos das desgraças causadas pela sociedade nacional à qual pertencem, mas se recusam a reconhecer. Essa lei é seletiva: extraem dela o que é conveniente ao uso que fazem do poder, mentindo ao seu povo em benefício de si mesmos, convencendo os políticos e antropólogos que o poder se transmite pela vontade humana; não é conquistado pela competência, pela honestidade, pelos princípios éticos que deveriam nortear a vida de todos os brasileiros, índios, negros, brancos, mulatos, mamelucos...
Não há futuro para as “nações indígenas” no Brasil e no mundo. Nosso processo civilizatório os levará, inexoravelmente, ao desaparecimento, assim como a todas as minorias étnicas, e talvez isso não seja tão ruim quanto parece. Pelo menos, teremos extirpado o preconceito racial e, ao mesmo tempo, teremos mitigado nossa “culpa”, nosso “pecado original” de ter exterminado tantos seres humanos ao longo de nossa história!

sábado, 2 de julho de 2011

Antropologia, Administração Pública e Hipocrisia

Existe uma visão romântica, por parte dos antropólogos, de que é possível o desenvolvimento das populações indígenas, preservando suas tradições e, ao mesmo tempo, dando-lhes condições para o desenvolvimento econômico e social nos moldes ocidentais capitalistas. Acreditam eles na capacidade das lideranças indígenas de gerir seu próprio destino, mantendo, contudo, sua visão de mundo, sua cosmogonia, e sendo "empoderados" (empowerment" não tem tradução em português, mas é assim que eles caracterizam a transmissão do poder branco para os índios) pelas instituições que cuidam dos interesses dessas populações, como a FUNAI, o ISA, a igreja católica, as seitas evangélicas...

É um grave equívoco pois, na sua simplicidade de entendimento do Universo, os indígenas ainda se mantêm fiéis a seus xamãs, mas assistem novelas, participam das redes sociais e ouvem músicas populares, fazendo suas escolhas conforme seu estágio intelectual permite. É essa contradição que coloca em risco essas populações pois, incapazes de selecionar o bem e o mal de nossas sociedades, escolhem o primitivo mau gosto que permeia esses canais de comunicação contemporâneos. Da mesma forma, incapazes de compreender a complexidade de nossos mundos políticos e sociais, tentam adaptar suas formas primitivas de associação à sua atuação como líderes, tornando toscas e ridículas (em nossa visão complexa) suas iniciativas primárias.

Não existe atalho para o desenvolvimento intelectual.

A FUNAI, hoje administrada por um intelectual, um antropólogo, profundo conhecedor dos saberes indígenas, segundo sua própria interpretação desses saberes traduzidos para os trabalhos acadêmicos e para o entendimento ocidental, essa instituição regida por esse maestro não percebe o estrago que produz nas sociedades primitivas desses indígenas travestidos de povos civilizados. Não há preconceito no que afirmo; apenas a constatação de nossa incapacidade de transportar essas visões de mundo para a realidade intensamente urbana de nossas próprias populações.

Disse-me um dirigente de uma ONG que atua no Rio Negro que esse "empowerment" das lideranças indígenas terá que ser feito, ainda que à custa de enormes quantias desperdiçadas de recursos públicos e de anos de investimento em lideranças, hoje incapazes de entender o arcabouço da Administração Pública. Prova disso é o fracasso da gestão pública municipal em São Gabriel da Cachoeira e a própria gestão pública da FUNAI Rio Negro por um indígena. Essas populações foram enganadas pelos acadêmicos, que incutiram neles a necessidade de gerir seus próprios destinos, e ao mesmo tempo preservar suas culturas tradicionais.

Em primeiro lugar, há que se perguntar "a que culturas e a que tradições" eles se referem pois, salvo raríssimas exceções, a maior parte dessas populações foram, ao longo de cinco séculos, adaptadas a crenças impostas pela igreja católica, que os privou de seus saberes ancestrais, considerados profanos, equivocados e satânicos pelos religiosos. Hoje, as seitas evangélicas concorrem nesse mister de acabar com as tradições xamânicas dos povos indígenas. Essas populações que viviam em pequenas aldeias, em um único teto (as malocas das "tribos" do Alto Rio Negro e os xaponos dos Yanomami), obtendo seu sustento das águas dos rios, das matas da floresta e das roças de mandioca, hoje vivem na dependência dos produtos industrializados, da caça com rifles, da pesca com tarrafas e redes, da exploração sem controle dos recursos naturais, inclusive do garimpo, da extração de madeira, da venda de peixes ornamentais e do "aviamento", mecanismo perverso de comercialização de cipós e palhas extraídas da Natureza.

Não são mais autônomos: dependem dos brancos para sobreviver! E pior do que isso, recebem como pagamento as migalhas da civilização ocidental e, o que era um modo simples de viver, hoje é miséria! Para deleite dos antropólogos, essas populações pensam que preservam suas tradições, tomando caxiri com cachaça, vestindo calças jeans e tocando flutas PAN. No entanto, os antigos Tuchauas agora são Capitães, escolhidos nos moldes das eleições sindicalistas, em assembléia, que eles assimilaram como se fossem as tradicionais reuniões dos idosos, dos anciões das aldeias que já não existem mais. Se viviam em pequenos grupos de cinco a dez famílias, hoje possuem pequenas cidades de até três mil indivíduos, e as brigas, a bebedeira, e as "virtudes" de nossa civilização tomam conta de seus costumes: o Caxiri foi transformado pela Cachaça; as drogas, a prostituição, a violência passaram a fazer parte de seu cotidiano, mas esses mesmos intelectuais debitam isso aos comerciantes brancos e sem caráter. Não é verdade, são eles, esses mesmos intelectuais que pactuaram com a preservação do que já não existe e cobram dos indígenas posturas e crenças que ficaram no passado. Hoje eles estão em toda parte: na política, na corrupção e nos descaminhos da vida.

Se acreditamos que esse é o modelo de civilização que os indígenas querem para seu povo, nós é que estaremos sendo hipócritas, surrupiando-lhes aquilo que é mais sagrado: o seu direito à autodeterminação, que não se constrói com políticas públicas corruptas, nem com conselhos intelectualóides e traiçoeiros de quem nada tem a perder com o destino cruel que está sendo construído para esses povos. Agora querem abandoná-los à própria sorte, colocando um ser despreparado intelectualmente para gerir a máquina pública, sob a batuta de um TUTOR constituído pelos conselhos das ONG´s ou pelos dirigentes supremos da FUNAI, que se julgam melhores do que seu próprio corpo de profissionais.