Quando Dilma Rousseff venceu as eleições para presidente da república afirmamos que quem vencia, na verdade, era o Capital, os Ruralistas e o Desenvolvimentismo. Existem dois Brasis em nosso país: um moderno, capitaneado por São Paulo e os estados do sul, consumistas, ávidos por energia. sofisticados e detentores dos melhores indicadores de qualidade de vida; outro esquecido por todos nos mais remotos rincões, vivendo em condições que o "sul maravilha" já se esqueceu que existiam há mais de cinquenta anos.
Este Brasil abandonado é habitado por quilombolas, indígenas, sertanejos, pescadores, pequenos grupos familiares que vivem uma economia de subsistência e não conhecem as "maravilhas" da civilização: televisão, cinema, teatro, internet, geladeira, ar condicionado, restaurantes, espetáculos... também não conhecem os preservativos e suas famílias tem dez ou mais filhos, que ajudam na economia familiar desde tenra idade.
A opção de Lula - e agora de Dilma - foi de gerar energia na região norte (onde a pobreza e essas condições que relatamos prevalecem) para ser consumida nos grandes centros urbanos e industriais do país. Ou seja, essas populações esquecidas serão penalizadas para que nós, os bem-aventurados, possamos continuar desperdiçando dinheiro público, sucateando produtos de última geração, consumindo artigos supérfluos, produzindo lixo e semeando a desgraça na Natureza: desmatamento, monóxido e dióxido de carbono, gás metano, assoreamento de rios, desabamento de morros, descaracterização do meio ambiente.
Belo Monte é uma dessas hidrelétricas que será instalada na região norte, no rio Xingu, causando a inundação de imensas áreas de floresta nativa e terras indígenas, não levando nenhuma riqueza para essa região, mas levando desgraça à população pobre e desamparada que lá sobrevive à míngua. Não bastasse isso, Belo Monte produzirá onze milhões de KWA no período das cheias e uma insignificância na época do estio; causará o assoreamento do Xingu depois da barragem e impedirá a piracema das espécies migratórias; exigirá imenso investimento na transmissão de energia aos centros consumidores; e criará um câncer que, aos poucos, irá produzir o desaparecimento de toda floresta e seus habitantes, animais e humanos.
A humanidade é insaciável em sua ânsia pelo "progresso": nossa população ainda cresce em ritmo acelerado, exigindo cada vez mais produção de alimentos que, por sua vez, consomem mais terras das florestas, dos rios, das montanhas, aumentando a poluição ambiental, em um processo destruidor sem precedentes na História. Muitos dizem que o homem sempre encontrou a solução para todas as catástrofes antevistas pelos futurólogos. No entanto, o que mudou foi a velocidade do processo: as geleiras deixaram de ser eternas e estão se acabando rapidamente; as espécies vivas são extintas em ritmo acelerado; as fontes de água doce ou secam, ou são contaminadas inexoravelmente; a produção de lixo bate recordes sucessivos; a temperatura do planeta sobe acelerada e perigosamente, ameaçando expandir os limites dos oceanos para dentro dos continentes e levando consigo grande parcela da população que vive nas orlas marítimas.
E quais seriam, então, as alternativas para a produção de energia? As fontes renováveis são uma mentira, pois causam maior destruição que as hidrelétricas; exemplo disso são as imensas áreas destinadas à plantação de cana de açúcar, trigo, soja e outros produtos destinados à geração de energia "renovável". O petróleo tem seus dias contados, e seus desastres ecológicos causaram as maiores destruições da história recente, contaminando verdadeiros refúgios ecológicos marinhos. Parece não haver saída...
Mas a solução existe e está diante de nossos olhos: passa, primeiro pela conscientização em massa da humanidade das essenciais transformações necessárias nos hábitos de consumo, na redução dos desperdícios, no entendimento desse complexo sistema ecológico que nos sustenta no Planeta Terra. Também passa pelo controle da natalidade de forma radical: não é possível sustentar indefinidamente uma população em constante crescimento, que já passa dos seis bilhões de indivíduos. Mesmo destruindo todas as florestas - e isso seria suicídio coletivo - as terras cultiváveis e o aumento da produtividade não bastarão para alimentar esse mundo descontrolado, e um dia, em futuro não muito distante, os homens se digladiarão pela posse de água e de alimentos, matando-se uns aos outros, em uma guerra não declarada e cruel.
O que representa Belo Monte? Simboliza essa fúria consumidora que, se não contida, extinguirá a raça humana... representa o desrespeito à Natureza e a prevalência de um sistema perverso de distribuição de riquezas, que privilegia uma pequena parcela da Nação em detrimento da maioria da população.
No dia 1º de janeiro Dilma defendeu o uso de energias renováveis. Menos de um mês depois apóia publicamente a inauguração de uma usina movida a carvão. Afinal, qual é a posição da presidente?
Usina Presidente Médici, em Candiota, RS. Greenpeace / Lunaé Parracho
A política energética brasileira, uma das meninas dos olhos da presidente Dilma Roussef, deu, menos de um mês depois de ela prometer no discurso de posse o incentivo a investimentos em usinas à base de biomassa, eólica e solar, mais um passo para trás. O Brasil, oficialmente, coloca hoje mais uma termoelétrica movida à combustível fóssil em funcionamento em Candiota, Rio Grande do Sul. Trata-se da usina Presidente Médici, ou Candiota III como prefere, por óbvias razões, o atual governo. A usina, parte de um complexo de seis térmicas semelhantes, funciona a carvão, considerado uma das fontes mais poluentes de energia.
Candiota III é o terceiro tropeço do recém-empossado governo na área de energia em menos de um mês de vida. O primeiro foi o anúncio de um plano para construir 11 megahidrelétricas na Amazônia. O segundo, mais recente, a brutal forçada de barra para que o Ibama desse algum tipo, aliás qualquer tipo, de selo de aprovação à construção da usina de Belo Monte. E agora, Candiota III. Juntando os fatos, pode-se muito bem supor que o discurso de Dilma na sua posse, com declarações fortes em favor das energias renováveis, foi apenas papo. “Candiota III é um monumento à geração energética do passado”, diz Ricardo Baitelo, coordenador da campanha de Energias Renováveis do Greenpeace.
Movida a carvão – o menos nobre e mais poluente dos combustíveis fósseis – Candiota III promete gerar 350 MW de energia deixando um rastro de emissões de gases responsáveis pelo efeito estufa que ameaçam a saúde humana e a estabilidade do clima do planeta. A usina deve garantir uma energia firme de 315 MW e a produção de 2,76 milhões de MWh por ano. Considerando a emissão média de 1 tonelada de CO2 por MWh típica de térmicas a carvão, obtém-se o espantoso montante de 2,76 milhões de toneladas de CO2 emitidos por ano. Na prática, toda essa numerália significa que uma única usina – responsável por pouco mais de 0,5% da energia gerada atualmente no Brasil - contribuirá com o aumento de 10% das emissões atuais do setor elétrico.
Área do Rio Xingu, no Pará, que será alagada pela construção da usina de Belo Monte. ©Greenpeace/Marizilda Cruppe