sábado, 26 de junho de 2010

A VIABILIDADE DA AGRICULTURA ECOLÓGICA

ENGº AGR. Valdo França

Desde o inicio dos anos 70 os encontros agronômicos no Brasil e no mundo tem sido palcos de apaixonantes e acirrados debates entre os defensores da agricultura química e da agricultura ecológica.

Antes de qualquer avaliação é importante definir para o leitor algumas características mais importantes das duas correntes antagônicas da agronomia.

Agricultura, em essência, não deixa de ser uma atividade extrativista. O homem aproveita o potencial fotossintético das plantas, transformando os minerais do solo, o carbono atmosférico e a água em alimentos e matérias primas diversas necessárias à vida humana.

A evolução da agricultura sempre aconteceu a partir de solo fértil e plantas geneticamente adaptadas às condições climáticas locais.

Nesta evolução, através de acertos e erros, o homem descobriu que, para conservar e melhorar a produtividade das culturas, era necessário retornar a matéria orgânica ao solo de cultivo.

A partir desta descoberta a adubação orgânica acompanhou o homem na sua agricultura, predominando até as primeiras décadas deste século, a idéia de que as plantas se alimentavam de matéria orgânica.

O químico alemão Liebieg, descobriu que as plantas não "comiam" matérias orgânicas e sim elementos químicos contidos no solo, e aí nasceu a agricultura química.

A primeira substância solúvel de composição simples usada como adubo foi o salitre do chile, nitrogenado que até então era somente usado na indústria da pólvora.

O efeito imediato de pequenas quantidades do salitre sobre o crescimento vegetativo das plantas foi um grande motivador para as pesquisas subsequentes do homem no caminho de simplificar e baratear a fertilização e a produtividade dos solos, através de substitutos artificiais para o adubo orgânico.

Substâncias químicas simples, contendo os nutrientes minerais mais usados pelas plantas, foram desenvolvidas e suas misturas em diferentes proporções foram formando as formulações dos adubos químicos mais conhecidos e utilizados até hoje pelos agricultores.

A popularização e invasão dos adubos químicos na agricultura brasileira se deu durante a fase do "milagre econômico Delfiniano", no início dos anos 70 no governo do general Garrastazu Médici.

Esta invasão tecnológica do campo brasileiro foi orquestrada pelas multinacionais da indústria química e da mecanização e implementados pelos militares e tecnocratas do regime pós-64.

Vergonhosamente o crédito rural na época obrigava o agricultor a comprar pelo menos 15% do capital emprestado em agrotóxicos e adubos químicos. Além desta obrigação o governo subsidiava em 40% o custo deste insumo, criando facilidades e estimulando o agricultor a usá-lo sem critérios e geralmente em condições técnicas desnecessárias.

Enquanto as universidades massificaram a formação dosagrônomos, a EMBRAPA forjava com suas pesquisas técnicas o pacote pró-multinacional da agricultura química para a EMATER levar e implantar no campo brasileiro.

Como doses de psicotrópicos inicialmente gratuitos esse produtos acabaram por viciar o agricultor e suas lavouras.

Ao tentar repor com adubo químico os nutrientes extraídos pela cultura e perdidos pela erosão e lixiviação do solo, o agricultor leva-o à carência de matérias orgânica e, consequentemente, ao definhamento da biologia do mesmo.

A deterioração da biologia do solo leva ao desequilíbrio das reações bioquímicas que bem alimentam as plantas e a perda da boa estrutura que bem as areja e retém a umidade necessárias ao bom crescimento das mesmas. Plantas desequilibradas fisionomicamente são vulneráveis ao ataque de pragas e doenças.

A agricultura química, em sua visão reducionista, procura erradicar as ervas invasoras, pragas e doenças vegetais pelo uso sistemático e violento dos agrotóxicos, o que leva a desequilíbrios mais sérios na fisiologia das plantas com mais pragas e doenças e, infelizmente, mais agrotóxicos e contaminação do solo, da água e do alimento.

O solo carente em humus por falta de matéria orgânica se desestrutura tornando-se compactado ou pulverizado, sendo tomado por plantas invasoras, por erosão ou lixiviação.

Para adequar a estrutura do solo e preparar o leito de plantio, a agricultura química faz uso intensivo das práticas mecanizadas como: aração, gradeação, subsolação e escarificação, que juntamente com as outras práticas de plantio, manejo sanitário e colheita, exigem máquinas pesadas e dependentes em petróleo.

A mecanização dispensadora de mão-de-obra, formou ecossistemas monoculturais simplificados e desencadeou o êxodo rural, que causou o maior desequílibrio social conhecido no país.

As levas da população rural incharam de favelas as cidades, com marginalização e especulação imobiliária, enquanto a posse das terras foi se acumulando na mão dos grandes capitalistas.

Pela superficialidade das preocupações sociais e pelo descaso aos ciclos vitais básicos da natureza, esta agricultura tem levado à decadência da qualidade de vida de toda humanidade com contaminação do meio ambiente, principalmente da cadeia viva, das águas, do solo e do alimento humano.

Erosão com perdas significativas de solos férteis, com assoreamento de rios, represas e estuários, com grande prejuízo para a navegação.

É citado na literatura a frustração de Liebieg, quando tomou consciência de tamanho blefe, decorrente de sua descoberta científica, que foi a agricultura química.

Por sua vez a agricultura ecológica, procura enxergar e entender o sistema produtivo de forma holística, desenvolvendo a auto-suficiência em energia e insumos, através do aproveitamento e reciclagem de matéria prima produzida no local; formando agro-ecossistemas complexos, a agricultura ecológica emprega intensamente a mão-de-obra humana.

Para repor os nutrientes, a agricultura ecológica estimula constantemente o processo de gênese do solo, através da ativação da biologia com uso intensivo de matéria orgânica, plantas protetoras e recuperadoras do solo, além de rochas moídas diversas.

Para conseguir o equilíbrio sanitário das culturas, a agricultura ecológica se vale de sementes rústicas e adaptadas às condições de solo e de clima do agricultor, proporciona nutrição para as plantas, além de criar micro-reservas ecológicas por propriedade, e condições propicias para a proliferação dos inimigos naturais das pragas nas áreas cultivadas.

Para restaurar possíveis desequilíbrios sanitários nas culturas, a agricultura ecológica se vale da rotação de culturas, consorciação de plantas companheiras, armadilhas luminosas atraentes e repelentes alimentares, extratos vegetais, minerais etc.

Para evitar a invasão de ervas, melhorar e manter a estrutura do solo adequando ao plantio, usa-se cobertura morta e viva juntamente com adubo orgânico, além de práticas mecânicas leves e superficiais para não agredir o solo.

Se os órgãos públicos efetivassem um gerenciamento competente dos recursos naturais, certamente todo o planejamento de ocupação do solo para a agricultura deveria levar em consideração a preservação presente e futura do mesmo já que, após o ar e a água, este é o recurso mais importante para a vida no planeta.

As crises econômicas, apesar de negativas, também participam na evolução da consciência humana. Os custos altíssimos do petróleo, dos adubos químicos e agrotóxicos tem sido os aliados mais fortes da Agricultura Ecológica. Na comercialização, a falta de garantia de preços suficientes para cobrir os altos custos de produção tem levado a agricultura ao desespero e fracasso financeiro.

O fato econômico é muito mais importante que qualquer outro argumento para o agricultor. Nessas horas de dificuldade, com certeza, o agricultor precisa refletir e traçar o seu caminho: auto-suficiência de alimentos, energia e adubos, e diversificação da produção para ficar imune as crises setoriais de mercado, bem como desenvolver uma tecnologia acessível a suas condições econômicas e equilibradas com o meio ambiente e com a sociedade da qual faz parte.

Integrando a produção animal com a produção agrícola, o agricultor pode dispensar os adubos químicos e substituí-lo pelo orgânico; com a economia auferida poderá investir no frete e na mão-de-obra que esse insumo exige no seu manuseio.

O lucro que sem dúvida extravasa o presente, é garantia de vida para o solo e para as futuras gerações; a agricultura ecológica é mais do que viável: é uma necessidade!

Valdo França é ecologista, eng.º Agrônomo; Criador e diretor da Escola Livre de Agricultura Ecológica. É autor ( a 4 mãos) do livro AS FERRAMENTAS DO AGRICULTOR ECOLÓGICO - editado pela Nobel. É bolsista da Fundação Ashoka na organização da Realce - Alternativas contra a fome. Participa de congressos, faz seminários e palestras desde 1973. É pioneiro no Movimento Alternativo no Brasil, na luta contra o uso de agrotóxicos e adubos químicos.

Fonte: http://www.webartigos.com/

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